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Os desafios da pecuária para diminuir a emissão de metano da atividade

Pesquisadores brasileiros desenvolvem técnicas para uma criação de animais mais sustentável

A pecuária brasileira produz vários produtos comercializados dentro e fora do país, como matérias-primas para indústria e até couro, lã. Mas, o principal objetivo da pecuária, seja de corte ou de leite, é alimentar. Da carne do almoço ao leite do café da manhã, tudo vem de fazendas que criam bovinos, ovinos e caprinos. Faz parte da rotina da maioria dos brasileiros.

O Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo, ou seja, a pecuária é um dos pilares da economia, empregando mais de um milhão e meio de pessoas. Em 2020, o valor bruto da produção (VBP) na pecuária foi de R$ 391,3 bilhões. Dividindo por setor, o segundo lugar no ranking do VPB da agropecuária, é da pecuária de corte com R$ 192,6 bilhões. E na quarta posição fica a pecuária de leite, com R$ 79,0 bilhões.

Nos dados da Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a soma de bens e serviços gerados pela pecuária em 2020, chegou a R$ 602,3 bilhões, que significa 30% do Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio.

A emissão de metano na pecuária brasileira

Produtos de qualidade, com produtividade e o melhor com bom retorno econômico. Mas, a pecuária vem lidando com desafios, como os impactos ambientais causados pela atividade. É o caso da emissão de metano no manejo dos bovinos.

Produtos de qualidade, com produtividade e o melhor com bom retorno econômico. Mas, a pecuária vem lidando com desafios, como os impactos ambientais causados pela atividade. É o caso da emissão de metano no manejo dos bovinos.

Victor Rezende, zootecnista e professor de Produção de Bovinos de Corte na UFG. Foto CEPPEX/EVZ/UFG

Victor Rezende, é zootecnista e professor de Produção de Bovinos de Corte, na Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás (UFG). Ele explica como funciona essa emissão de gases na pecuária, que está relacionada ao processo digestivo de bovinos e outros animais ruminantes.

“A digestão dos ruminantes difere muito da digestão de alimentos pelos animais monogástricos, inclusive os seres humanos. O rúmen, que é o estômago dos ruminantes, funciona como uma câmara de fermentação, onde vários microrganismos fazem a digestão dos alimentos. Para a manutenção desse processo, há produção de gás hidrogênio, que posteriormente será utilizado para produção de metano. Essa produção faz parte do processo natural de obtenção de energia, a partir do pasto por parte dos animais ruminantes”, descreve.

Pecuária e o Efeito Estufa

Assunto polêmico, que viralizou na internet, associando o pum ou o arroto dos bovinos com o efeito estufa do planeta. Victor, que também é responsável pelo Centro de Pesquisa em Pecuária Extensiva (Ceppex) da UFG, faz questão de esclarecer. “O metano produzido durante o processo de fermentação ruminal dos alimentos, é eructado pelos bovinos, isso seria o “arroto da vaca”, para que seja possível a manutenção da condição de oxidação dos alimentos no rúmen. Essa saída do metano, representa inclusive uma perda de energia por parte do animal, no entanto, ela é fundamental para a sobrevivência de qualquer ruminante”, explica.

Segundo Rezende, no mundo a atividade pecuária responde por 5,8% das emissões de gases de efeito estufa. “O metano, devido ao seu maior potencial de aquecimento em relação ao gás carbônico, representa a principal forma de emissão. Cerca de 27% de todo metano produzido no mundo, vem da fermentação entérica de animais ruminantes, no entanto, o metano representa 16% de todas as fontes de gases de efeito estufa”, conta.

Entretanto, o zootecnista informa que deve ser levado em consideração, o fato de que a emissão de metano, provém do carbono retirado da própria atmosfera pelas plantas. “Principalmente em pastagens bem manejadas, há acúmulo de carbono no solo, contribuindo para a redução do efeito estufa. Quando avaliamos outras fontes de emissão de gases de efeito estufa, como a queima de combustíveis fósseis, por exemplo, não existe essa ciclicidade do carbono; ele é retirado do solo e permanece na atmosfera”.

Acordo Mundial na COP 26

Na Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP26), em novembro de 2021, em Glasgow no Reino Unido, o Brasil e mais de 100 países aderiram ao compromisso global de redução das emissões de metano. O acordo assinado prevê a meta de 30% na diminuição de impactos até 2030.

Muito se fala da emissão pela atividade pecuária de bovinos, mas outras áreas também vão ser avaliadas pelas nações, como os lixões urbanos e a extração de petróleo.

Na época, o presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Celso Moretti, destacou que o Brasil já desenvolve estratégias para reduzir a emissão do gás. “O Brasil mostrou dados, informações e mapas demonstrando claramente que a nossa agricultura há mais de três décadas é sustentável, vem percorrendo um caminho de descarbonização e a tecnologia está no centro de toda essa evolução”, disse.

Tecnologias para diminuir a emissão de metano

A pecuária brasileira por exemplo, criou tecnologias para mitigação do gás como: o melhoramento genético de pastagens para desenvolver alimentos mais digestíveis para os animais e o melhoramento genético dos animais, que permite o abate precoce. Além disso, existe um estudo da utilização de aditivos, que podem ser agregados na alimentação animal, com substâncias como taninos e óleos essenciais. 

“Nos últimos 10 anos, o Brasil reduziu de 48 para 36 meses o tempo de abate. Os animais ficam menos tempo no campo e consequentemente, produzem menos metano”, explicou o presidente da Embrapa.

Além de reduzir a emissão, o Brasil vem trabalhando na compensação dessas emissões, usando sistemas como a Integração Lavoura-Pecuária e Floresta (ILPF), que hoje ocupa 17 milhões de hectares pelo país. O sistema garante que em uma mesma área, sejam cultivados produtos agrícolas, pecuários e de silvicultura.  

Para o secretário de Inovação, Desenvolvimento Sustentável e Irrigação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Fernando Camargo, o acordo é importante e o Brasil tem que fazer parte disso. “O Brasil é parte da solução, e temos que estar engajados em todas essas iniciativas, para que que consigamos manter 1,5ºC de crescimento de temperatura, em relação aos níveis pré-industriais, por isso que assinamos esse importante pacto”.

Outras tecnologias que já são utilizadas na pecuária brasileira, é a terminação intensiva em confinamento e o manejo de dejetos de animais, ambos contemplados no  Plano Setorial de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária, chamado de ABC+. As metas é que até 2030, a adoção de tecnologias sustentáveis, estejam em mais de 72 milhões de hectares de áreas degradadas e que sejam mitigados 1,1 bilhão de toneladas de CO² equivalente, superando o recorde alcançado pela fase anterior do plano ABC.

Segundo o professor e zootecnista da UFG, de 2010 a 2018, o Brasil recuperou pelo menos 19,5 milhões de hectares em pastagem. “Isso deve representar, sem incluir outras fontes de mitigação, uma redução superior a 10% das emissões relacionadas à atividade de produção bovina no Brasil”, aponta Victor Rezende.

A alimentação dos animais também pode ser uma ferramenta para diminuir a emissão de metano. “A inclusão de alimentos concentrados na dieta dos animais: milho, sorgo, soja, algodão, entre outros; também permitem reduzir de forma significativa a duração do ciclo de produção, o que implica em uma carne com menor pegada de carbono. Somadas, essas ferramentas, já dominadas, de intensificação da produção, permitem reduzir de 70% a 89%, da pegada de carbono da carne, com destaques para algumas estratégias que podem tornar essa pegada negativa, no curto e médio prazo”.

A viabilidade para reduzir 30% das emissões até 2030

Segundo análise de Victor, considerando números totais da pecuária, é uma meta grande a ser alcançada. “O ganho em produtividade é muito maior do que a redução absoluta das emissões diárias. Por outro lado, precisa ser destacado que haveria maior produção: de carne, leite ou outros produtos, o que resultaria em quilogramas de produtos obtidos de forma mais sustentável. Mas, esse ganho em produtividade permite à pecuária “ceder” áreas para outras atividades e essa redução de utilização de área, poderia ser significativa no sentido de diminuir as emissões de metano. No entanto, essa redução envolve outras atividades além da pecuária”, analisa.

Em seu trabalho na UFG, o professor conta como a equipe vem estudando soluções para diminuir a emissão de metano, mas que essas pesquisas no mundo, vão além das mudanças climáticas. “Levando em consideração que o metano, é uma molécula com elevada concentração de energia, na maioria das vezes em que uma determinada técnica que resulta redução na produção de metano, é esperado o aumento na eficiência de utilização da energia da dieta”.

A Escola de Veterinária e Zootecnia da UFG vem concentrando as pesquisas na alimentação dos animais ruminantes. “Alimentos alternativos que consomem hidrogênio, durante o processo de fermentação, probióticos que priorizem rotas metabólicas de menor produção de metano ou mesmo aditivos alimentares que atuem inibindo o crescimento de microrganismos produtores de metano, são exemplos de técnicas que vêm sendo estudadas, tanto na produção de bovinos de corte, quanto de bovinos leiteiros no âmbito da EVZ/UFG”, finaliza Victor Rezende.

Acesso às tecnologias

Em novembro de 2021, representantes do Mapa e da Embrapa, também falaram sobre as formas de incentivo e acesso dos produtores brasileiros a essas tecnologias. O desafio é fazer com que todos os pecuaristas, inclusive os pequenos, possam usar essas novidades. “Para isso, precisamos do apoio da iniciativa privada, do terceiro setor, de várias entidades que levam a tecnologia ao campo”, afirma o secretário do Mapa, Fernando Camargo.

Ele também lembrou que o Plano Safra já elevou neste ano, os recursos disponíveis para financiar tecnologias sustentáveis, especialmente dentro do Plano ABC. “O Plano Safra em 2022, será absolutamente verde, vai ter muito recurso para boas práticas agropecuárias e vamos nos organizar para fazer com que esse recurso não falte lá na ponta, lembrando que também poderá haver recursos internacionais para implementação de pesquisas nesta área”, disse Camargo.

Janaina Honorato
Janaina Honorato
Jornalista especialista em agronegócio com formação em marketing digital. Experiência de 9 anos com comunicação para o agronegócio em reportagens de TV, rádio, impresso e internet.
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