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Família pioneira no cultivo de cafés especiais no Cerrado está entre os 40 melhores produtores do Brasil

Os Zancanaro de Cristalina, no leste de Goiás, são conhecidos pelos cafés premiados, que abriram o mercado de exportação do grão no estado

Vamos tomar um cafezinho. Frase que muita gente fala todo dia, até sem se dar conta. É que o café se tornou patrimônio da rotina de grande parte dos brasileiros. Sabor, aroma e energia, fazem do cafezinho diário, a bebida mais popular e mais consumida no mundo, depois da água. Só em 2020, foram consumidas 21,2 milhões de sacas no país, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC).

O Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento, a Conab, na safra 2021 foram produzidas 47,7 milhões de sacas de café. A expectativa para a safra 2022 é de 55,7 milhões de sacas, um aumento de 16,8%. A estimativa é que Goiás produza cerca de 250,3 mil sacas nesta temporada.

A história da Família Zancanaro

Nos cálculos, do Censo Agropecuário 2017, do IBGE, no país existem 265 mil estabelecimentos que produzem o grão. Entre essas propriedades, está a Fazenda Nossa Senhora de Fátima, da família Zancanaro, no município Cristalina, região leste de Goiás.

Descendente de italianos, o Sr. Gelci Zancanaro, veio para Goiás na década de 80 com a decisão de abrir um agronegócio familiar e começaram com o plantio de soja e milho. Junto dos cinco filhos e da esposa, ele viu uma oportunidade de sair do Paraná e empreender em terras do Cerrado, o que dava a chance dos filhos estudarem em Brasília. Hoje, colhem os frutos do sucesso, produzindo além do café, feijão, milho, sorgo e outras culturas.

Primeira foto: Gelci Zancanaro na década de 80, quando veio para o Cerrado Goiano.
Segunda foto: Gelci Zancanaro e sua mãe Dileta Tesser com o primeiro pivô central da fazenda de fundo.
Fotos: Arquivo Pessoal

O cultivo do Café

Cristiane Zancanaro, é uma das filhas do meio, formada em Direto, atuava como advogada trabalhista. Mas em 2014, deixou a área para trabalhar com o café. Hoje é conselheira do Grupo Zancanaro e responsável pela produção dos cafés especiais. “A minha família já plantava café e eu cuidava da parte trabalhista da fazenda. Depois de uma viagem para o Chile, na qual engravidei do meu terceiro filho, me apaixonei pelos pés de cafés plantados na fazenda e entrei de cabeça nesse universo encantador”, relembra.

No começo, com a expansão dos negócios, a família comprou outra fazenda e percebeu que precisava plantar outra cultura com um mercado sólido. Então, encontraram no café, a porta para grandes negócios. “Começamos a ver a necessidade de ter uma cultura que tivesse um mercado mais firme e que pudéssemos travar contratos futuros, como o café poderia nos proporcionar. Começamos então em 2009 com um projeto piloto de 11 hectares de café irrigado por gotejo” relata a cafeicultora.

Família Zancanaro: da esquerda para a direita, Milton Cesar, Cimara, Gelci Zancanaro (pai), Maria Eraide (mãe- in memorian), Diloé, Cristiane e Denise.
Foto: Glenio Dettmar

Toda a família é envolvida direta ou indiretamente no negócio. “Além dos meus pais, trabalham no negócio meu irmão mais velho, que é o engenheiro agrônomo da fazenda, minha irmã mais velha, que é a arquiteta e faz todos os projetos que precisamos para lá, eu na parte da gestão do café especial e minha irmã mais nova que é administradora. Além disso, meu sobrinho mais velho também é engenheiro agrônomo e acompanha meu irmão nessa empreitada. Apenas uma irmã não trabalha diretamente no negócio, mas é conselheira, tem poder de voto e decisão”, explica Cristiane.

A Produção de Café no Cerrado

Os frutos de café na lavoura da Fazenda Nossa Senhora de Fátima.
Foto: Beto Barata

Na fazenda são cultivados 902 hectares de café com quatro variedades: Catuai vermelho, Catuai amarelo, IAC 125 e Palma 2. O plantio é feito geralmente em dezembro e janeiro em área irrigada por pivô central. A colheita começa em maio e segue até agosto. Nesta safra, eles devem colher em torno de 24 mil sacas, um rendimento de 69 sacas por hectare dos pés em produção.

Com o auxílio da área irrigada e os investimentos em tecnologia, eles têm conseguido vencer os desafios do cultivo no Cerrado Goiano. “Um dos maiores desafios sempre foi a seca. Quando chegamos aqui lembro bem de irmos rezar o terço na lavoura pedindo chuva para a plantação. Fomos os primeiros a ter irrigação por pivô central, foi feito todo um projeto para instalação. No café, o desafio além da água e do alto custo de produção, é o bicho mineiro”.

Outra dificuldade, é encontrar trabalhadores para o manejo da lavoura. “Aqui não é região cafeeira, também temos dificuldade em achar mão de obra qualificada na época da safra. E outro desafio foi fazer toda a infraestrutura de benefício e rebenefício na fazenda, pois não tinha nada aqui perto também, o que hoje é um dos nossos diferenciais” conta.

Na cultura do café o trabalhador rural tem papel importante para o andamento da safra, já que algumas tarefas só o homem desempenha. “O plantio e a capina é manual, não tem jeito. A amarração dos cafezais que estão caindo, entortando de tanto peso, a desbrota do café também é manual. A coleta de folhas para verificar as pragas e doenças é manual feita pelos técnicos agrícolas. Hoje temos 20 funcionários fixos na fazenda para estes serviços manuais, as vezes precisamos contratar alguns a mais, no total estamos com 85 funcionários só para a cultura do café”.

O manejo de doenças e pragas é integrado e grande parte já conta com o auxílio das máquinas. “A grosso modo, as adubações são mecanizadas e via aspersão por pivô central. As pulverizações são mecanizadas e feitas após o manejo integrado de pragas e doenças. Usamos biológicos e defensivos agrícolas. Mas nossa propriedade é certificada pela UTZ/ Rainforest, ou seja, seguimos todas as normas ambientais”, afirma Cristiane.

Na parte de colheita, a mecanização auxilia no andamento da safra. “A colheita é 99% mecanizada, só alguns lotes especiais são colhidos a mão ou selecionados a mão por nossas mulheres do café.  Como a área é muito grande e o terreno é muito plano, temos maquinário que consegue fazer uma colheita seletiva, com o propósito de selecionar os grãos mais maduros e que ainda passam na via úmida para uma outra seleção”, explica.

Os Cafés Especiais

Cristiane Zancanaro, advogada de formação, mas que deixou o Direito para ser cafeicultora no negócio da família.
Foto: Jhon Henrique

Cristiane foi quem teve a ideia de elevar o nível do Café Zancanaro, mergulhou no negócio e começou a pensar no cultivo de café, para além de uma commodity de exportação. A cafeicultora faz parte da Aliança Internacional das Mulheres do Café Brasil, fez cursos de Barista Júnior e Análise Sensorial para poder entender mais sobre o grão. Ela implementou na fazenda um pós-colheita mais detalhado, com lotes separados.

“Em 2014, sai da parte de departamento pessoal e jurídico, fui me especializando em cursos, para ver o que tínhamos que fazer e melhorar para termos nosso produto cada dia melhor. Foi quando na safra de 2015, ganhamos o primeiro prêmio regional Ernesto Illy. Em 2017 consegui implementar na fazenda o terreiro de concreto e em 2018 os termômetros digitais dos secadores e abrimos a torrefação Famiglia Zancanaro, com uma máquina alemã de alta tecnologia e precisão. Com isso fizemos a primeira exportação direta de Goiás para a Grécia. E por aí seguimos, este ano exportamos para o Japão”.

A Fazenda dos Zancanaro hoje, é membro da Associação Brasileira de Cafés Especiais do Brasil e todo esse processo para produzi com qualidade, começa desde a seleção dos grãos na lavoura. “A primeira diferença entre o café tradicional e o café especial, é que antes de chegar na sua xícara o café especial teve um processo de colheita seletiva, que pode ser mecânica ou manual, na qual foram selecionados os frutos maduros, que influenciará totalmente as notas sensoriais do seu café. O café que é colhido verde não amadurece depois que nem a banana. Então, depois de colhido, precisamos separar este café verde, do maduro e do passado”.

Para se tornar um café especial é preciso passar por avaliação da SCA (Specialty Coffee Association), uma Associação Global de Cafés Especiais. “O café especial é todo aquele que tem notas acima de 80 pontos na escala de pontuação da SCA, que vai até 100. Eles avaliam fragrância aroma, uniformidade, ausência de defeitos, doçura, amargor, acidez, corpo, sabor residual (retrogosto) e harmonia”, explica Cristiane.

Até no momento da torrefação do café é necessário todo um cuidado, para garantir o melhor grão. “O café especial não tem defeitos ou eles aceitam até X por cento de defeitos intrínsecos do café. A sua torra é mais afinada, ou seja, existe um perfil de torra específico para aquele café, aquele terroir, para que aquelas notas sensoriais sejam obtidas no café coado ou no expresso. Existe uma moagem própria para cada método de café, que geralmente é uma moagem mais grossa”,  

Para entender mais, Cristiane explica a diferença entre o tradicional café e o especial. “O café tradicional é diferente, geralmente é um café com mais defeitos, ou seja, um café que tem grãos verdes e passados, com grãos pretos, verdes, ardidos, chochos e conchas (partidos). Estes últimos que deixarão a torra completamente desuniforme, ficarão queimados antes dos grãos inteiros. E para esconder estes defeitos de uma bebida adstringente, por exemplo, a torra do café tem que ser bem forte e escura, o que vai dar o gosto amargo do café. E para você não ver os grãos partidos e feios, este café já estará moído no mercado”.

O Processo de Produção do Café

O diferencial da propriedade em Goiás é fazer toda a produção de cafés especiais na fazenda, do plantio a embalagem. “Nossos cafés especiais são produzidos e torrados por nós. Tudo feito na fazenda, não tem nenhuma etapa que é feita em outro lugar. Isso é muito difícil de encontrar, café produzido e torrado pelo produtor. Nossos cafés têm selo de qualidade e rastreabilidade da Associação Brasileira de Cafés Especiais, que comprova que o café verde, realmente é um café especial, ou seja, tem mais que 80 pontos pela SCA (Specialty Coffee Association)”.

Toda a estrutura na linha de produção, separa vários tipos de grãos de café. “Depois da colheita, o café pode ser separado ainda na via úmida em boia (café que já passou do ponto), verde e maduro. Nesse momento, o café pode ser descascado, que é muito utilizado para fazer os cafés expressos. Depois os cafés vão para os terreiros onde são secos: de chão batido, de asfalto, de concreto e suspenso. Ou ele acaba de ser seco num secador. Depois de seco, ele será armazenado de acordo com sua bebida, qualidade, pontuação e sensorial, não podendo exceder a 11% de umidade. Daí o café é armazenado até o momento da venda, devemos esperar ao menos 2 meses para vender um café, pois ele precisa de descanso”, conta a cafeicultora.

O beneficiamento dos Cafés Especiais

Mas para produzir o café especial premiado, é preciso passar os grãos por outra varredura. “Quando se fala em rebeneficio, passamos ele em outra estrutura, que ainda vai tira com mais precisão os cafés mais defeituosos como: grão preto, ardido, brocado, concha, verde, quebrado, chocho, inclusive usando uma selecionadora eletrônica bicolor (que lê os grãos por cor) e ainda passa numa máquina que separa os grãos por tamanho de peneira, de a 18 acima”.

Segundo Cristiane, os cafés tipo exportação são de grãos maiores, de peneira 16 acima, que devem ser de um mesmo tamanho, para ficarem por igual depois do calor da torra. Esses grãos são vendidos para serem moídos na hora. Cafés com alta pontuação transformam a fazenda em modelo ambiental. “Temos dois cafés entre 80/84 pontos e um café entre 85/89 pontos. Com selo que comprova, que a fazenda tem certificação de sustentabilidade socioambiental”. 

As variedades e sabores dos cafés especiais

Os cafés especiais Zancanaro: Ciocolato, Fruttato e Microlote Reserva Especial.
Foto: Jhon Henrique

O sabor dos cafés especiais da fazenda tem qualidade premium pela diferenciação e cuidado no beneficiamento, é o que explica a Cristiane.

“Nossos 3 cafés torrados são: O Cioccolato que é um café de processo Cereja Descascado, da variedade Catuaí Amarelo. Foi desenvolvido um perfil de torra média e controlado para caramelizar os açúcares e ressaltar as notas de chocolate, nozes e caramelo”.

“O Fruttato que é um café de processo natural da variedade Catuaí vermelho, são escolhidos os melhores grãos em tamanho e maturação. Sua secagem foi combinada em leito suspenso e secagem vulcânica no terreiro de cimento e ainda foi desenvolvido um perfil de torra mais curto para ressaltar as notas de frutas sem perder corpo e doçura”.

“Já os grãos escolhidos para o café Microlote Reserva Especial são exóticos e de maior qualidade encontrado na Fazenda. É um café também de processo natural da variedade Catuaí Vermelho. A seleção foi feita com os melhores grãos em tamanho e maturação. Ele é de fermentação anaeróbica, induzida por levedura lallemand (ORO) com temperatura controlada em câmara fria por 72 horas. Sua secagem foi feita em leito suspenso, lenta e calmamente. A torra é mais curta para ressaltar as notas de frutas vermelhas, morango e mel.”

Todos os lotes produzidos na fazenda são avaliados a cada ano. Há funcionários especializados na degustação. “Ano passado por exemplo, nosso funcionário que prova os cafés nessa fase, para atestar a qualidade e sensorial das bebidas, provou mais de quatro mil xícaras de café”, lembra Cristiane Zancanaro.

A comercialização do Café

O café verde (grão do café que ainda não foi torrado) da fazenda já foi para vários lugares do Brasil e do mundo. “Nosso café verde já foi exportado por tradings e exportado diretamente por nós também para a Austrália, Grécia, Inglaterra e Japão. O café sai de container da fazenda e vai para o Porto de Santos”.

Os Cafés Especiais Premiados

O café dos Zancanaro coleciona troféus nacionais. “Ganhamos em primeiro lugar Regional Centro-Oeste, em 2016, o Prêmio Ernesto Illy de Qualidade Sustentável do Café para Expresso. Em 2017, o segundo lugar no mesmo prêmio. Em 2018, voltamos ao primeiro lugar regional e sexto lugar nacional. Em 2019, ficamos em segundo no regional e em 2020 em primeiro e segundo lugar no regional do Prêmio Illy. Agora em 2022, estamos entre os 40 melhores cafeicultores nacionais e já com o primeiro lugar regional do Centro-Oeste”.

Outros prêmios na estante da fazenda, é o de melhor café de Goiás e Top 100 do Concurso Florada Premiada – cafés de mulheres, nos anos de 2018, 2019 e 2020. Além disso, o café Zancanaro ganhou também como o melhor café de Goiás, no concurso da ABIC, Associação Brasileira da Indústria do Café, em 2021.

E para o mundo, a fazenda já realizou por três vezes, a Feira Internacional da SCA (Specialty Coffee Association), que proporcionou aos negócios, levar os cafés verdes para serem conhecidos e vendidos na América do Norte.

Amor pelo Café

Diante de tanto sucesso, a Família Zancanaro sabe exatamente o que fizeram para se destacar e continuar na ponta do mercado. “Nosso café é produzido com muita sustentabilidade, alta tecnologia e muito trabalho. Além de muito amor, carinho e respeito de todos aqui da nossa equipe. Não tiramos os olhos do café, do começo ao fim. Como sempre disse meu pai, se for fazer, faça bem feito e com amor. E é assim que fazemos”, finaliza a cafeicultora Cristiane Zancanaro.

Janaina Honorato
Janaina Honorato
Jornalista especialista em agronegócio com formação em marketing digital. Experiência de 9 anos com comunicação para o agronegócio em reportagens de TV, rádio, impresso e internet.
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