O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) está no foco dos desafios do novo subsecretário de Política Agrícola e Negócios Agroambientais do Ministério da Fazenda, Gilson Bittencourt. Ele quer resgatar parte dos pequenos produtores que deixaram de acessar o crédito rural oficial nos últimos anos e propor alternativas para que o sistema financeiro fomente a produção de mais alimentos no país e as práticas sustentáveis no campo.
A equipe econômica do governo também quer encontrar fontes de recursos mais baratas para o crédito rural em geral e direcionar a aplicação do dinheiro para produtos e regiões específicas. Uma das missões é contribuir para a redução da inflação do país, o que demandará ações de incentivo à produção de alimentos que cheguem mais baratos à mesa do consumidor.
Estudos iniciados em Brasília miram também formas de incentivar spreads bancários mais baixos para determinadas operações, a simplificação dos financiamentos a juros livres e a exigência de previsibilidade por parte das instituições financeiras da programação de aplicação dos limites equalizáveis para tentar evitar o esgotamento precoce da subvenção federal nos Planos Safra.
Bittencourt quer um diagnóstico para quantificar os agricultores familiares que deixaram de acessar o Pronaf, mas que continuam na atividade produtiva e podem ser reinseridos no processo de financiamento.
Os motivos para a exclusão desses produtores ao longo do tempo são diversos e complexos, ressaltou ele, mas precisam ser compreendidos para que o governo possa apontar alternativas de inclusão.
“A nossa primeira agenda é resgatar parte dos agricultores familiares que ao longo dos últimos anos vem sendo excluídos do crédito rural, seja por algum problema de burocracia, de inadimplência, dificuldade de comprovar documentação”, afirma Gilson Bittencourt
Sobre o Pronaf
O maior público atendido na histórica do Pronaf foi na safra 2006/07, com 2,53 milhões de contratos e aplicação de R$ 7 bilhões. Em 2021/22, foram realizadas 1,4 milhão de operações, com desembolso de R$ 41,4 bilhões. O valor financiado no período aumentou quase 500%, mas o número de contratos caiu 45% e o tíquete médio dos financiamentos evoluiu 963%, segundo dados do subsecretário. Além disso, mais de 80% dos recursos emprestados no ciclo passado foram para a produção de soja, milho e trigo e a criação de gado, e não para o cultivo de produtos da cesta básica, por exemplo.
“O crédito passou a ser um produto quase ‘estandardizado’, de prateleira, não é analisada mais cada situação. Existem pacotes prontos nas instituições financeiras para as culturas de commodities, o que não acontece para alimentos específicos ou regionais”, disse. “O fato de as instituições financeiras privilegiarem quem tem mais renda, quem produz commodities, é processo do sistema financeiro. O desafio do governo é como entrar no debate, como enxergar as especificidades internas e tentar agir”, destacou.
Para tentar resolver a questão, o subsecretário deve propor alternativas na execução do Pronaf, algumas delas já aplicadas anteriormente, mas que foram extintas. A discussão passa pela simplificação de normas, melhor interlocução entre os projetos de assistência técnica e a destinação dos financiamentos e até melhorias no spread cobrado pelos bancos, com a possibilidade de bônus ou preços diferenciados do Custo Administrativo e Tributário (CAT) para instituições financeiras que operam com determinados públicos, regiões e produtos.
Bittencourt lembra que o Pronaf era dividido pelos segmentos A, B, C, D e E, a chamada “sopa de letrinhas”. Com isso, as instituições financeiras eram obrigadas a direcionar recursos equalizados para determinadas operações, o que acabou extinto. O subsecretário entende que é necessário pensar em formas de direcionamento para incluir novos públicos, por região e por faixa de renda. “Se ninguém falar que vai fazer financiamento em determinada região, o governo precisa planejar algo. Se eu não fizer isso, não adianta chorar as mágoas depois, pois não exigi que ninguém atendesse”, analisou.
Nenhuma medida está definida, diz ele, e as decisões serão tomadas em conjunto com os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, além do Palácio do Planalto. Mas a Fazenda vai ser mais propositivo nessa gestão. “Não é uma agenda simples. Quanto melhor se alocar a subvenção, quanto mais se conseguir usá-lo para incentivar a inclusão, a sustentabilidade e produção de comida barata, melhor”.
Todo o processo está intercalado com a promoção da sustentabilidade no campo e o papel do crédito rural no incentivo à adoção dessas práticas, afirma. Ele defende o entendimento de “propriedade sustentável”, com o empacotamento e articulação das técnicas utilizadas, como plantio direto, uso de bioinsumos, energia renovável e tratamento de dejetos animais, e da preservação. Mas admite que não será fácil.
“O desafio é como colocar isso tudo no entendimento da propriedade sustentável e como entro com o crédito nisso”, afirmou. “É simples dizer que vou financiar somente produção sustentável, mas quem vai fiscalizar? Vou ter que dar mais essa atribuição à instituição financeira? Se ela fizer isso, fica mais caro ou mais difícil o acesso ao crédito”.
Bittencourt ressaltou que o governo não vai “travar” o acesso ao crédito com a introdução de várias exigências, mas que é um processo de educação e conscientização dos produtores e dos financiadores. “Na linha do ministro [Fernando Haddad], queremos rumar para o desenvolvimento sustentável, mas fazer isso de tal forma que consigamos melhores indicadores em termos de sustentabilidade sem detonar a produção. Um pouco de pressão, de exigência, mas com conscientização”.
Gilson Bittencourt foi nomeado para o cargo no fim de fevereiro. Engenheiro agrônomo, ele foi secretário de Planejamento e Investimentos do Ministério do Planejamento entre 2015 e 2016 e secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda de 2003 a 2011, período em que já atuou nos temas de política agrícola e na construção dos Planos Safra. Ele também foi secretário de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário de 2001 a 2002 e passou pela Casa Civil entre 2013 e 2014.