Pesquisadores encontraram nos Campos Rupestres – campos de montanha que são um hotspot de biodiversidade no Brasil – – uma diversidade inédita de microrganismos altamente especializados em capturar e reciclar o fósforo disponível no solo. A descoberta abre caminho para o desenvolvimento de novas biotecnologias agrícolas destinadas a aumentar a absorção de fósforo pelas cultivares agrícolas e, ao mesmo tempo, reduzir o uso de fertilizantes químicos.
A pesquisa foi publicada no The ISME Journal por pesquisadores do Centro de Pesquisas em Genômica para Mudanças Climáticas (GCCRC) – um Centro de Pesquisas em Engenharia (ERC) constituído pela Embrapa e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), financiado pela Fundação São Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Paulo (FAPESP).
Os Campos Rupestres estão localizados na região central do Brasil. Eles são considerados um hotspot de biodiversidade porque concentram muitas espécies de ocorrência única nesta região que estão atualmente ameaçadas por atividades de mineração e pecuária. “O solo desse ecossistema é extremamente pobre em fósforo e muito ácido devido às condições geológicas. Apesar disso, esse ecossistema abriga quase 15% da diversidade vegetal brasileira, e isso nos intrigou muito, pois é um ambiente aparentemente hostil para o desenvolvimento vegetal”, explica Isabel Gerhardt, pesquisadora da Embrapa Agricultura Digital e GCCRC e uma das dos autores do estudo.
“Muitos estudos têm sido feitos sobre a fisiologia dessas plantas para entender como elas crescem nesse ecossistema, mas do ponto de vista da nutrição associada aos microrganismos é inédito”, afirma Antônio Camargo, primeiro autor do estudo. desenvolvido durante seu doutorado no GCCRC com bolsa da FAPESP.
Os nutrientes do solo nem sempre estão em uma forma que as plantas possam absorver, mas os microorganismos podem tornar esses nutrientes solúveis para serem absorvidos pelas plantas. Um exemplo são as micorrizas, um grupo de fungos que colonizam as raízes e ajudam as plantas a absorver nutrientes do solo, e os Bradyrizobia, bactérias que ajudam as plantas a absorver nitrogênio.
No caso do fósforo, sabe-se que sua absorção é intermediada por microrganismos. O diferencial do estudo do GCCRC foi encontrar uma grande diversidade e abundância de bactérias altamente eficientes em disponibilizar fósforo para as plantas em um ambiente onde esse elemento é pouco disponível. “Encontramos muitas famílias de bactérias associadas ao fósforo com cerca de 25% a mais de genes envolvidos na solubilização do nutriente do que os catalogados anteriormente”, afirma Camargo.
Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores estudaram duas plantas da família Velloziacea típicas dos Campos Rupestres . Uma cresce no solo e a outra nas rochas. Eles então coletaram amostras de plantas, solo e rochas para analisar os microorganismos ali presentes. Todo o material genético foi sequenciado e comparado a bancos públicos de genes microbianos.
Outro aspecto analisado pelo grupo foi se o alto número de genes relacionados à solubilização do fósforo pelas bactérias dos Campos Rupestres era uma característica geral das famílias ali descritas. Para fazer isso, os cientistas compararam a frequência desses genes com bactérias relacionadas evolutivamente encontradas em outros lugares. “Descobrimos que bactérias de Campos Rupestres tendem a ter mais genes de solubilização de fósforo, de fato”, explicou Camargo.
Na busca por esse nutriente raro no meio ambiente, as plantas também fazem sua parte. Os pesquisadores mostraram que eles secretam soluções que atraem bactérias por meio de suas raízes. “As plantas recrutam microrganismos que solubilizam o fósforo fazendo com que suas raízes secretem compostos orgânicos como aminoácidos e ácidos orgânicos que recrutam esses microrganismos”, explicam os autores.
Um dos desenvolvimentos esperados do estudo publicado é ajudar a selecionar bactérias solubilizadoras de fósforo para dar suporte a novas tecnologias de biofertilizantes agrícolas. O fósforo é um dos três macronutrientes mais utilizados na fertilização das culturas no Brasil, com as menores taxas de absorção pelas culturas nos solos tropicais brasileiros. Cerca de 55% dos fertilizantes fosfatados são importados, principalmente das minas do Marrocos, mas também da Rússia, Egito, China e Estados Unidos.
Hoje, para manter a produtividade elevada, é necessário adicionar fertilizantes fosfatados nas lavouras, o que causa impactos econômicos e ambientais. “Vemos nessa nova descoberta a possibilidade de desenvolver um bioproduto para atender pelo menos três questões importantes para o país. A primeira é a redução da dependência da oferta externa desse fertilizante, que mostrou sua vulnerabilidade com a guerra na Ucrânia. O segundo aspecto é o fato de o fósforo ser um recurso mineral não renovável e em processo de esgotamento. Finalmente, o terceiro ponto são as emissões de gases de efeito estufa. É emitido um quilo de gases de efeito estufa para cada quilo de fertilizante fosfatado”, aponta Rafael Souza, pesquisador associado do GCCRC e um dos autores do artigo. Souza é o cofundador da Symbiomics,
Já existem inspirações para o uso de biofertilizantes. Hoje, 80% da área plantada de soja no país recorre a biofertilizantes. Isso representa uma economia de aproximadamente US$ 10 bilhões em fertilizantes nitrogenados. “Esse trabalho mostra que aqui no Brasil podemos usar a biodiversidade para encontrar soluções mais sustentáveis para a produção de alimentos”, conclui Souza.