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Adoção de boas práticas pode aumentar produção de trigo em 1,5 milhão de toneladas no Brasil

O método permitiu a identificação de locais onde o rendimento das lavouras de trigo está abaixo do potencial

A colheita de trigo nas principais regiões produtoras do Brasil tem o potencial de crescer em mais de 1,5 milhão de toneladas, sem adição de áreas de plantio ou desenvolvimento de novas tecnologias. Um método inovador desenvolvido pela Embrapa  identificou locais em que o rendimento das lavouras está abaixo do potencial e poderia melhorar com a adoção de recursos já disponíveis. Ainda listou as principais causas das diferenças de produtividade entre os locais analisados.

O trabalho abrangeu 457 municípios de 79 microrregiões nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, além do Distrito Federal. O estudo foi feito em conjunto com 29 cooperativas que atuam na produção de trigo, com o objetivo de guiar ações, principalmente de transferência de tecnologias, para incrementar a produção.

Os resultados estão no documento “Lacunas de rendimento de grãos de trigo em áreas de atuação de cooperativas no Brasil”, disponível na área de publicações do Portal Embrapa. Na microrregião de Cascavel (PR), por exemplo, o aumento de produtividade poderia adicionar mais de 100 mil toneladas à colheita. Em Cruz Alta e Santo Ângelo (RS), melhorar o rendimento também faria as safras crescerem em mais de 90 mil toneladas.

Os resultados obtidos foram enviados às cooperativas participantes, acompanhados por um questionário. “Perguntamos quais seriam as causas daquelas diferenças encontradas e que ações poderiam ser encaminhadas para sanar essas lacunas”,conta o analista da Embrapa Trigo Adão Acosta.

 

Entre as causas das lacunas, relatadas pelos entrevistados, estava o desafio na adoção de boas práticas relacionadas à promoção e à proteção do rendimento e ao manejo do solo. Elas reúnem ações como a mitigação de riscos climáticos, o manejo fitossanitário, rotação de culturas, fertilidade do solo e muitas outras. Segundo o gerente de Pesquisa da Cooperativa Central Gaúcha Ltda. (CCGL), Geomar Mateus Corassa, a adoção dessas práticas pode fazer parte das estratégias das cooperativas para reduzir as lacunas.

Para ele, um dos desafios a ser superado é o uso de um manejo único, sem considerar o sistema produtivo na propriedade. “Um exemplo está na escolha da cultivar de trigo. Um material é mais suscetível a uma doença e outro é mais tolerante. Enquanto algumas cultivares têm maior potencial de rendimento e exigem mais adubação, outras dependem de menor investimento para atingir o resultado máximo. O que ocorre hoje é que parte dos produtores costuma adotar um pacote de manejo padrão, com abordagem idêntica para cultivares diferentes, o que reduz a eficiência produtiva,” relata Corassa, que também participou do estudo.

Por isso, o gerente destaca que é preciso observar as peculiaridades e fragilidades específicas de cada cultivar ou, ainda, para cada talhão na lavoura, fazendo um ajuste fino para depois definir o manejo mais adequado na área. “O acompanhamento da assistência técnica da cooperativa é fundamental para identificar o melhor manejo em cada parte da lavoura. Hoje o setor produtivo conta com muitas tecnologias e conhecimentos da pesquisa que precisam ser aplicados no campo para chegarmos a uma produtividade mais estável na triticultura brasileira”, afirma Corassa.

O gerente ressalta, porém, que mesmo que o setor produtivo seja mais eficiente, preenchendo as lacunas identificadas no estudo, o que realmente define o aumento na área de trigo no País é a liquidez do mercado: “Não podemos focar apenas no aumento do rendimento, mas também na comercialização dos grãos e na rentabilidade do produtor. Por isso, a importância de a pesquisa trabalhar em conjunto com o setor produtivo, formando as bases que podem impactar toda a cadeia”, defende.

Método inovador indica metas alcançáveis

Descobrir qual poderia ser a maior produtividade alcançada por uma lavoura em determinada área é o primeiro passo para estabelecer um patamar a atingir e estimar as lacunas de rendimento. Mas como se define essa produtividade potencial? Boa parte dos estudos sobre o tema utiliza modelos matemáticos que simulam o rendimento a partir de uma série de dados sobre o local e a cultura ou resultados de experimentos.

Os pesquisadores da Embrapa Fernando Garagorry, da Superintendência de Estratégia, e Milena Yumi Ramos, da Gerência-Geral de Inteligência e Planejamento de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), desenvolveram um método inovador que utiliza dados de produção no campo. “As estimativas são baseadas no que já foi observado: são potenciais alcançáveis, resultados que já ocorreram em condições semelhantes”, ressalta Ramos.

No caso do estudo com o trigo, foi analisada a série histórica de dados de produtividade do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2003 a 2018, e comparadas microrregiões dentro da mesma Região Homogênea de Adaptação de Cultivares de Trigo (RHACT). São quatro RHACTs no Brasil, que delimitam áreas com condições semelhantes de temperatura, chuva e altitude, fatores que condicionam o rendimento da triticultura.

Em cada RHACT, a equipe da Embrapa identificou, a partir dos dados do IBGE, a microrregião com maior produtividade alcançada em um determinado ano, por meio das médias registradas em cada município. Esse valor foi estabelecido como produtividade potencial e utilizado para calcular as lacunas de rendimento nas demais.

Por meio desse método observou-se, por exemplo, que, na região de clima frio e úmido do Rio Grande do Sul, agricultores da microrregião de Vacaria (RS) colheram, em média, 3,2 mil quilos de trigo por hectare (kg/ha). Em outras áreas de condições semelhantes, o rendimento foi de até 1.575 quilos menor.

Identificar as diferenças de produtividade no território nacional foi o que motivou os pesquisadores da Embrapa a se debruçarem sobre o tema. Na média brasileira, o rendimento das colheitas, especialmente de grãos, alimenta gráficos com linhas crescentes. Mas, em um território tão extenso e diverso, era de se supor que houvesse diferenças significativas entre as localidades. “A intenção do nosso trabalho é diferenciar regiões no território, o que é importante para planejar ações de transferência de tecnologias, políticas públicas e outras formas de atuação”, pontua Milena Ramos.

A equipe buscava um método que pudesse ser aplicado a diferentes culturas e à diversidade de condições encontradas no Brasil. Não haveria dados suficientes para alimentar modelos de simulação para essa diversidade de fatores. Foi, então, que decidiu recorrer às estatísticas geradas anualmente pelo IBGE. “As estatísticas oficiais são o que a gente tem de sistemático, com qualidade nos dados, algum nível de desagregação, e abrangência de muitos produtos”, explica a pesquisadora.

Além de poder ser aplicado a diferentes culturas e locais e indicar produtividades potenciais mais próximas da realidade, outra vantagem desse método é que ele pode ser aplicado ano a ano. Quando se trabalha com modelos de simulação ou condições experimentais, a produtividade potencial permanece estática até que se refaça a simulação ou o experimento. Por utilizar dados estatísticos, os parâmetros podem ser revistos com mais agilidade.

“É um método adaptativo, que leva em conta as observações ao longo do tempo. Se houve disseminação de tecnologias que aumentaram a produtividade naquele local, por exemplo, o potencial acompanha isso, não fica estático”, observa Ramos. A equipe já realizou trabalho semelhante ao do trigo para outros grãos e pretende atuar também sobre outras culturas.

Justamente pela característica adaptativa, que permite a atualização periódica, o analista André Rodrigo Farias, da Embrapa Territorial (SP), acredita que esse é um método científico que pode ser adotado no contexto operacional e de planejamento das ações das cooperativas. “Por exemplo, uma cooperativa que atue em diversas regiões e reúna milhares de produtores rurais pode adaptar a ideia de lacunas de rendimento para realizar o monitoramento dos resultados de seus cooperados. Com isso, consegue identificar aqueles locais onde os rendimentos estão baixos em termos comparativos e, com isso, propor ações para melhorá-los, o que, entre outras coisas, tende a elevar o rendimento da cultura e a remuneração ao agricultor”, detalha.

Fabiane Fagundes
Fabiane Fagundes
Jornalista especialista em agronegócio com formação em marketing digital e psicóloga em formação.
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